sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A desculpa

Honorato estava no elevador a caminho do décimo sexto andar, uma hora e vinte e três minutos atrasado para a reunião. Trabalhava na empresa há oito anos e desde que saiu o divórcio deixou de ser pontual. As noitadas com os amigos, os matrecos, a suecada lá em casa e a playstation impediam que chegasse a horas ao escritório, mas era tão bom poder brincar novamente... O problema era o chefe. Filho duma meretriz tinha-lhe feito um ultimato "Francamente Eng.º Honorato! A empresa tem vindo a ser prejudicada pelo seu comportamento irresponsável. O Eng.º chega sempre tarde, com as desculpas mais incríveis, e o pouco que faz, faz mal! Amanhã temos a reunião com os investidores. Se o Eng.º chegar atrasado um minuto que seja, pode começar a procurar emprego".
Na noite anterior Honorato não saiu com os amigos nem jogou playstation. Meteu uma lasanha do Lidl no microondas e logo após ao jantar lançou-se ao trabalho. Organizou o projecto e passou alguns gráficos e imagens para powerpoint. Deitou-se às três da manhã cansado, mas contente. Ia impressionar o chefe e os investidores com uma excelente apresentação.
Acordou em pânico. Não tinha ouvido o despertador tocar... Foda-se! Tantas vezes tinha usado aquela desculpa e agora que é verdade... Merda!
O elevador subia e o nervosismo de Honorato também. Não podia ser despedido! Tinha contas para pagar, a pensão de alimentos dos putos e um estilo de vida a manter. Pensou em contar a verdade ao chefe, mas ele não acreditaria... Lembrou-se da história do Pedro e do Lobo. Tantas vezes tinha mentido que agora que era verdade ninguém ia acreditar. A "verdade" tinha que ser mais elaborada. Estava a desesperar quando teve uma ideia. Dirigiu-se à sala de reuniões e entrou sem bater. O chefe estava sozinho, a reunião já tinha terminado.
- Pode sair Eng.º, perdemos o negócio. E você perdeu o emprego.
- Mas chefe...
- MAS CHEFE O CARALHO! Não quero ouvir as suas desculpas DE MERDA! Não me interessa se o seu avô morreu ou se a PUTA DA SUA MÃE TEM CANCRO NO CU!
Lurdes, a secretária, ouvia os berros do chefe cá fora. Desta vez o Eng.º Honorato não tinha mesmo hipótese. A empresa tinha perdido um negócio de milhões devido à sua irresponsabilidade do Eng.º. Não havia volta a dar, o Honorato estava fodido. Após os gritos fez-se silêncio. Lurdes ameaçava aproximar-se da porta para tentar ouvir o que se passava quando a porta se abriu. O Eng.º Honorato saiu e piscou-lhe o olho.
- Até para a semana Lurdes!
Lurdes não respondeu. "Mas que raio!" - pensou - "Até para a semana??? Mas então o chefe não o despediu?" Levantou-se e, curiosa, bateu à porta da sala de reuniões.
- Chefe, posso?
- Entra Lurdes.
Entretanto o Eng.º Honorato já estava no elevador a descer os dezasseis andares, radiante, de volta para casa. Estavam também no elevador dois estagiários que estranharam o cheiro, mas nada comentaram.
Na sala de reuniões o chefe explicava à sua secretária a razão pela qual não tinha demitido o Eng.º:
- Ele disse-me que estava doente, que tinha comido qualquer coisa estragada. Eu não acreditei.
- Então porque não o demitiu?
- Foda-se Lurdes, o homem cagou-se à minha frente! Ninguém se sujeita a uma humilhação destas a não ser que esteja mesmo doente. E há que realçar a devoção deste homem, que apesar de cagado, veio trabalhar na mesma. Como poderia demiti-lo?
Nessa noite, Honorato contava aos seus amigos como, não só tinha salvo o seu emprego, como tinha ganho uma semana para ficar em casa a "recuperar". Pelo meio de gargalhadas e olhares de admiração, foi à garagem buscar mais uma grade de minis para pôr no frigorífico. Lembrou-se novamente da história do Pedro e do Lobo e riu-se sozinho. Se o Pedro se tivesse cagado na hora H, o Lobo não o tinha comido.

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